Virtudes da Guilhotina
por Renato Janine Ribeiro
Fonte: Revista Superinteressante Especial, Ano 3, número 2, junho de 1989 pgs. 16 e 17.
VIRTUDES DA GUILHOTINA
Como uma revolução inspirada na liberdade, na igualdade e na fraternidade foi capaz de adotar uma máquina de matar tão fria, tão terrível, como a guilhotina? Pois foram exatamente aqueles princípios que justificaram seu uso. Antes da Revolução, existia uma hierarquia até para as execuções dos condenados.
Os nobres tinham o direito d morrer de forma digna, que não manchasse sua memória, por isso ram decapitados com machado ou espaa. Os plebeus, ao contrário, passavam pela humilhação da forca, considerada um suplício infamante. Além dessa diferença entre honra e desonra, havia também as gradações de sofrimento, porque eram aplicadas penas de mutilação e de tortura, que a Revoluçao aboliu. Neste contexto é que devemos entender a guilhotina.
Os revolucionários não admitiam privilégios. Os homens nascem livres e iguais; então, por que deveria haver diferença entre a morte nobre e a morte vil? Primeiro pensou-se numa igualdade por baixo, dando a todos a morte plebéia e infamante da forca. Iso foi logo depois da supressão dos demais privilégios, como títulos de nobreza, direitos feudais, etc. Mas não durou, pela simples e boa razão de que todo movimento reivindicatório procura nivelar pelo alto, e não por baixo.
Com esse objetivo, um deputado eleito para a Assembléia Nacional em 1789, o médico Joseph-Igance Guilotin, apresentou projeto de lei estabelecendo que todas as sentenças deviam ser executadas "por meio de uma máquina". E ofereceu ele próprio o modelo dessa máquina, formada por uma viga mestra e dois altos postes laterais, providos de ranhuras. A viga sustentava uma pesada lâmina de forma oblíqua, que uma vez solta deslizava pelas ranhuras dos postes laterais, caindo violentamente sobre o pescoço do condenado.
A morte, assim, era instantânea e indolor. Guilotin era filantropo, e seu invento permitiu reduzir ao mínimo o sofrimento dos réus. Mas não é verdade que tenha inventado a máquina mortal: ela já era usada em vários países, como a Escócia e a Itália, para executar nobres condenados a morte. Foram feitas várias experiências com corpos de doentes já mortos do Hospital de Bicêtre, antes que a guilhotina fosse oficialmente instalada na praça de Gréve, em Paris, para a primeira execução que aconteceu em 25 de abril de 1792. O condenado era um plebeu assaltante de estradas.
A guilhotina ficou tão popular que, ao auge do Terror, o período de maior radicalismo da Revolução, militantes mais exaltados chegaram a fazer juramentos em seu nome. Por isso tornou-se um verdadeiro símbolo da Revolução e continou a ser usada até 1981, quando a pena de morte foi abolida na França. O dr. Guilhotin, ao contrário do que diz a lenda, morreu na cama em 1814, aos 76 anos; conservou o pescoço intato até o fim da vida.
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